12.10.2010

Chove na minha Memória



Técnica - Fotografia
Ano - 2010

Muito já foi dito sobre as relações entre fotografia e realidade, a gênese automática da qual Bazin fala, sempre rendeu a fotografia um respaldo de coisa real, nas suas primeiras décadas a fotografia chegou a ser de fato entendida como um espelho da realidade. As teorias recentes tem ido por outro caminho. Dubois fala do traço como o coração do dispositivo e da imagem fotográfica como impressão luminosa. Jean-marie Schaeffer descreve o arché fotográfico como a impressão de traços do visível, e Barthez, em A Camera Clara, afirma que “a fotografia é literalmente uma emanação do referente” ora, todas essas afirmações acabam por deslocar o signo fotográfico, signo sob os termos da semiótica Pieciana, da condição de ícone (um signo que possui uma relação de semelhança com seu referente) para ser antes de tudo um índice (signo que se relaciona com o referente a partir de uma conexão física). A Partir disso fica clara a relação que a imagem fotográfica tem com a realidade, entretanto, o que ainda não foi dito, é que, uma fotografia enquanto índice é também, sempre resultado de um recorte espaço-temporal, ou seja, seu referente é sempre algo que se deu no passado. Quando a imagem é para nós, o referente desapareceu no tempo. Barthez, e mais uma vez ele, fala brilhantemente dessa relação temporal, “a foto do ser desaparecido vem me tocar como os raios atrasados de uma estrela”. Logo, fica claro porque a fotografia desde sempre possui uma relação estreita com a memória, tanto individual quanto coletiva, e é nessa relação entre fotografia e memória que as três imagens irão orbitar.

As três fotografias foram feitas em película, o que reforça o caráter indicial, trata-se de fato do referente irradiando fluxo fotônico e queimando os haletos de prata no negativo, os registros são de uma viajem na qual passei pelo Uruguai, Era uma tarde fria em colônia, chovia, já fazia um mês que estava fora de Belém e do seu calor característico, estava a um mês só, e há alguns dias havia entrado em um pais cuja língua não sabia bem, nesta tarde, pegaria um barco para Buenos Aires, sairia do Uruguai, me afastaria ainda mais do meu país, da minha casa e do sol do equador, foram as ultimas das poucas imagens em solo Uruguaio, e as únicas de Colônia, e se choro, é de saudade, saudade de um momento sensorial único cuja o ultimo contato são essas fotografias. Chorava lá de saudade, e choro aqui de vontade. Choro como o dia no qual resolvi queimar esses três negativos. E as lagrimas que turvam minha visão se confundem com as gotas da chuva que me fez companhia, chuva hoje silenciosa, chuva que se apresenta como neblina na minha lembrança. Eis aqui minha memória. Eis aqui o “isso foi” de Barthez. Eis aqui o índice fotográfico em toda sua potência.

O trabalho postado acima foi selecionado e premiado na 3ª edição do Salão Sesc Universitário de Arte Contemporânea realizado em setembro de 2010.

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