Para Schaeffer, a “imagem fotográfica é uma impressão química”¹, pois bem, pode ser que seja, mas se sim, amarramos a fotografia a um produto físico final que desdobra espacialmente um recorte espaço temporal dado no passado... eis a fotografia enquanto relíquia, da qual Barthez fala longamente.
Mas se... fotografia é escrita de luz, com luz, luz-escrita, não deveria ela estar presa a essa obrigatoriedade de eternizar um recorte da fluidez, da mobilidade²...
...Nenhuma escrita pressupõe a eternidade...
Alguém que escreve na areia da praia sabe que tal traço será levado pelo mar, e mesmo na imagem fotográfica, existe uma condição de tempo para a existência da película... o prazo de validade industrial.
Posso condicionar a fotografia à efemeridade. Fazendo do disparador a luz, eliminando o dispositivo fotográfico do processo da escritura... eis a fotografia fora do bidimensional, “aqui a fotografia invade o espaço.”³
Aqui é o Hacklab, 6 de agosto de 2011, onde se deu a primeira experimentação dessa escritura para o efêmero. Como membro do QualquerQuoletivo, fui convidado a fazer a iluminação do evento, e ai vem o desdobramento subseqüente.
Meu disparador é o ascender das lâmpadas, meu enquadramento, seus posicionamentos e a dinâmica da própria cena, em toda sua tridimensionalidade... a foto(luz) permanece enquanto o motivo tece permanentemente a grafia...
...o aparelho foi eliminado...
...foi eliminada a dependência sufocante da tecnologia, torna-se consciente uma fotografia invisível, a de todo momento, a que se desenrola sem ser captada. Sem o aparelho, o homem é obrigado a reconstruir o fazer, e ai, “a gambiarra vira força criativa”³.
Do lixo luz... não era exatamente esse o discurso mas assim foi pra mim a oficina Devoluções ocorrida no Casarão, se a idéia era transformar lixo em produtos, o fiz em equipamentos, criando os dois primeiros dispositivos de luz... holofotes do lixo, canos de esgoto, madeiras da rua e fios elétricos, esses da loja, compõe a estrutura... eis “a potência do subdesenvolvimento em desvirtualização” ³.
Man Ray, quando dadaísta, criou suas rayografias a partir de uma negação as técnicas estabelecidas historicamente... pois bem, não necessariamente contra história, mas sim contra a arte feita de cima para baixo da qual fala Barrio, elimino o aparelho, elimino o laboratório, o cordão umbilical tecnologico é cortado, a metodologia fica em aberto...
...fotografia não é registro!
1 – Schaeffer, Jean-Marie. Imagem Precária A. Papirus, 1996.
2 – “A verdade é que mudamos sem cessar e que o próprio estado já é a mudança”... ”uma fixidez não passa de um arranjo efêmero entre mobilidades” Bergson, Henri. Memória e Vida. Martins Fontes, 2006.
3 – Meu via Qualquer Quoletivo publicado em http://hacklab.comumlab.org/wikka.php?wakka=DiariodeBordoQQ em 06/08/2011
(anteontem)
+ sobre fotografia e efemeridade
Queria falar um pouco sobre o trabalho da artista visual Miwa, que chegou até mim esta semana, período gestativo das idéias acima descritas. A cerca da fotografia dentro do espaço-agora, que não desdobrasse o tempo mas participasse da construção do próprio estado presente, sem objetivar o registro, priorizando a fala...
...expressão poética para o agora.
Miwa se apresentou esse ano, 2011, na XX edição do Animamundi, claro, em São Paulo. Em Belém, pude ver o registro dessa apresentação em vídeo, disponibilizado por Maécio Monteiro, ao qual, sou muito grato por isso.
Miwa, em sua apresentação, estabelece interações corpo-videografica...
1) Miwa, se posiciona entre a luz do projetor, e a tela...
... a tela não está emulsionada.
Se estivesse, teríamos uma impressão transversal, como nos fotogramas diria Schaeffer, ou mesmo, uma impressão de traços do visível (por Dubois). Teriamos uma imagem fotográfica...
... o que tento afirmar nesse texto... é que temos fotografia em Miwa.
Todo o processo é análogo ao dos fotogramas. A luz escreve a obra...
2) Luz, tela e Miwa. O que caracterizaria uma sobreposição de imagens, neste caso feita a partir da sobra de luz que atravessa a tela branca para desenhar a silhueta do corpo.
Claro, é uma obra audiovisual, temos a trilha, elogiável, temos o movimento corporal da artista, e temos todos os componentes imagéticos-estéticos da projeção, possiveis a partir de variações de iluminação efetuadas pelo projetor, que é o aparelho, neste caso.
Miwa não fez um trabalho fotográfico.
Não reduzo o trabalho dela a isto.
Miwa fez um trabalho que é fotografia.
Fotografia não é a imagem fotográfica!
(ontem)
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